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Porque uma "encenação-em-processo"?

UM POUCO DE CONCEITO

Poderia falar de Work in Process (ou Work in Progress), mas preferi um termo em português que refletisse a proposta de um trabalho em movimento, com levantamento de inventário do processo criativo-produtivo e compartilhamento através da internet.
A partir dos artigos "Teatro-educação: os caminhos de uma cena expandida", de Luiz Carlos Garroucho e "A Encenação-em-Processo", de Antonio Araújo selecionei trechos para embasar teoricamente essa escolha:

Hans-Thies Lemann, em O Teatro pós-dramático (2007), analisa e discute a vinculação entre teatro e drama, desmontando seus alicerces, expondo a historicidade desse vínculo, demonstrando como o mesmo tornou-se norma, a partir do que ele chama de “trindade”, conferida por “drama”, “ação” e “imitação”.

Desatreladas do drama, as potências criativas do teatro desobrigam-se de cumprir com o fechamento de um ‘mundo ficcional’, consolidado mediante a relação linear entre ‘personagem’, ‘lugar’ e ‘ação’.

Josette Féral (2008 ) prefere nomear esse novo teatro de performativo.

A performatividade origina-se da Arte da Performance (ou Performance Art), desenvolvida principalmente nos EUA a partir dos anos 60 e 70. Entre suas características, podemos notar a presença de “elementos estéticos novos”: “o corpo do artista como objeto da arte”, “o tempo como elemento da linguagem”, “a efemeridade da obra-ação”, “a participação do público” (inclusive física), “a multidisciplinaridade na arte”.

Se, por um lado, Lehmann desmonta a máquina de uma concepção histórica (“teatro como drama montado”), mas que se passou por essencial, engendrando ‘modelos de percepção’, pois, “o drama configurado esteticamente produz mundos de imagens, formas de evolução e paradigmas ideológicos que ordenam a organização e a percepção do real”, por outro lado, ressaltam-se com Josette Féral os traços de performatividade que tal teatro comporta. Entre estes, “a inter-relação, conectando o performer, os objetos e os corpos” (2005). Desse modo, num teatro dessa natureza, as técnicas interpretativas e de criação de personagens não funcionam mais, já que o ator deixa de ser um intérprete de textos linguísticos e passa a ser um ‘performador’, um co-criador de textualidades (imagens, sonoridades e ações corporais) não organizadas hierarquicamente.

Antônio Araújo (2008), encenador do Teatro da Vertigem, aborda essa dimensão processual e colaborativa, dizendo que “a encenação-em-processo é uma encenação negociada, ou se quisermos, é uma encenação de alteridades”.

Nessa perspectiva, o caráter de experimentação coloca-se, sempre, em primeiro plano. E uma de suas premissas é o apagamento entre as fronteiras das linguagens artísticas e sua mútua contaminação. Trata-se do conceito de arte expandida (MACHADO, 2007). Em vez de conceber cada linguagem em seu ‘núcleo duro’, com sua identidade, passamos a conceber campos de exercício transdisciplinar. Em ressonância, temos o campo de uma cena expandida (SCHECHNER, 1994), envolvendo, entre outros, três questionamentos fundamentais:

   a) o que pode ser uma peça de teatro;

   b) quem pode criar uma peça teatral;

   c) em que contextos pode ocorrer a recepção de um teatro.

Se não é mais possível circundar fronteiriçamente uma linguagem, o mesmo vale para a própria definição de obra de teatro. E a questão da competência dos criadores, bem como de sua formação, também passa a não obedecer a padrões previamente definidos.
Uma cena expandida, portanto, capaz de produzir inclusões não só estilísticas e culturais, mas também em relação aos possíveis sujeitos.


NA PRÁTICA

O trabalho começa a partir de proposição de temas que me são caros, a partir da minha experiência em processos produtivos de teatro ao longo dos últimos anos. Entre as "inquietações" presentes nesse processo, existe um tripé que sustenta essa encenação-em-processo:

1. A transformação do ator em performer;

2. A ênfase nos acontecimentos de uma ação cênica, através de partitura gestual/vocal, ao invés da representação psicológica de uma ação e

3. A encenação centrada na imagem e na ação e não mais sobre o texto.

Já se vão alguns meses do início de uma idéia que - aos poucos - vai ganhando "massa corpórea".
Nesse tempo, algumas pessoas foram convidadas a participar, umas ficaram, outras preferiram não se envolver. Por diversas questões.
Esse (por enquanto) é um projeto que não dispõe de verba própria / apoio financeiro / patrocínio, mas que se propõe ao desafio de primeiro estabelecer um território para experimentação (linguagem, estética, discurso) e depois da idéia testada, aí sim, o trabalho é formatado para os meios de produção usuais - principalmente aqueles ligados ao financiamento via editais públicos. Portanto, o processo de produção (como o conhecemos) também está em processo.
A proposta que se instaura aqui até esse momento tem caráter fortemente performativo. Logo, estamos falando de fronteiras (uma área situada entre teatro, dança e artes plásticas) e percursos bem específicos.


E, para terminar, uma reflexão, citando o encenador Antonio Araújo em seu artigo "A Encenação-em-Processo", "(...) o resultado estético da “encenação-em-processo” é a colocação em cena do “processo da encenação”. A linguagem a ser utilizada – ou por meio da qual a cena se expressará - é a linguagem do percurso. O inacabamento deixa de ser condição contextual ou rastro de imperfeição para se constituir como materialidade cênica, isto é, texto e cena processuais."

Referência Bibliográficas

ARAÚJO, Antônio. A Encenação-em-Processo.  Anais do V Congresso Brasileiro de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas. Belo Horizonte: Abrace, 2008.

FÉRAL, Josette. Por uma poética da performatividade: o teatro performativo. In:Sala Preta, Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas, Eca/USP, São Paulo, n. 08, 2008.

MACHADO, Arlindo. Arte e Mídia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2007.

SCHCHNER, Richard. Ocaso y caída de la vanguardia. In: CEBALLOS, Edgar (Director). Máscara: Cuaderno IberoAmericano de Reflexión sobre Escenologia. Traducción y notas: Antonio Pietro Stambaugh. Mexico: Escenologia, año 4, p. 17- 18, 1994.
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